O CERRADO DO VARJÃO PEDE , NÃO DESTRUA COM FOGO


A Temperatura do AR
Um dos efeitos mais imediatos de uma queimada é a elevação da temperatura local, seja do ar, seja do solo. Os poucos dados de que dispomos mostram que a temperatura do ar na chama pode atingir 800ºC ou mais. Todavia, esta elevação é de curta duração; o fogo passa rapidamente. No solo a elevação é também momentânea, porém bem menos intensa. Dentro do solo, a 1, 2, 5 cm de profundidade, a temperatura pode elevar-se apenas em alguns poucos graus. Uma pequena camada de terra é suficiente para isolar termicamente todos os sistemas subterrâneos que se encontram sob ela, fazendo com que mal percebam o fogaréu que lhes passa por cima. Graças a isto, estas estruturas conseguem sobreviver e rebrotar poucos dias depois, como se nada houvesse acontecido. Estes órgãos subterrâneos perenes funcionam, assim, como órgãos de resistência ao fogo.
A Transferência de Nutrientes
Outro efeito do fogo, de grande importância ecológica para os Cerrados, é a aceleração da remineralização da biomassa e a transferência dos nutrientes minerais nela existentes para a superfície do solo, sob a forma de cinzas. Desta forma, nutrientes que estavam imobilizados na palha seca e morta, inúteis portanto, são devolvidos rapidamente ao solo e colocados à disposição das raízes. Existem hoje indicações de que estes nutrientes, uma vez na superfície do solo, não são profundamente lixiviados pela água das chuvas, mas, ao contrário, seriam rápida e avidamente reabsorvidos pelos sistemas radiculares mais superficiais, principalmente do estrato herbáceo. De certa forma, o fogo transferiria nutrientes do estrato lenhoso para o herbáceo, beneficiando a este último.
Todavia, durante uma queimada nem todos os nutrientes vão obrigatoriamente para a superfície do solo, sob a forma de cinzas. Grande parte deles é perdida para a atmosfera como fumaça. Cerca de 95% do N presente na fitomassa combustível volatilizam-se, retornando à atmosfera como gás. A metade dos outros nutrientes, como fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxôfre entra em suspensão no ar sob a forma de micropartículas de cinza, constituindo a parte visível da fumaça. Assim, a grande perda de nutrientes provocada pelo fogo reside nesta forma de transferência para a atmosfera e não na lixiviação dentro do solo, como se imaginava. A névoa seca que escurece os céus do Brasil Central na época das queimadas (julho, agosto) é uma demonstração visível dessa enorme perda de nutrientes. Numa estimativa grosseira, poderíamos dizer que o Parque Nacional das Emas, com seus 131.832 ha de Cerrado, queimados integralmente no ano de 1994, perdeu para a atmosfera algo em torno de 3.000 T de nitrogênio, 220 T de fósforo, 1.000 T de potássio, 1.800 T de cálcio, 400 T de magnésio, 450 T de enxôfre, totalizando cerca de 6.800 T de nutrientes minerais sob forma elementar.
Felizmente, estes nutrientes em suspensão na atmosfera acabam por retornar ao solo, seja por gravidade, seja por arraste pelas gotas de chuva. Um balanço feito em cerrados de Pirassununga, entre o que saía e o que retornava anualmente, permitiu-nos avaliar que, se as queimadas fossem feitas em intervalos de 3 anos, o "pool" de nutrientes no ecossistema local praticamente não sofreria prejuízos.
Fisionomia e Estrutura da Vegetação
Dentre os efeitos bióticos do fogo no cerrado, um dos mais notáveis é a sua ação transformadora da fisionomia e da estrutura da vegetação. Lund, o mesmo que descobriu o Homem das cavernas de Lagoa Santa, amigo de Warming, já dizia: "Foram as queimas que transformaram as catanduvas" (termo tupí para cerradão) "em cerrados e campos limpos...". Como a vegetação lenhosa, embora tolerante, é bem mais sensível à ação do fogo, queimadas freqüentes acabam por reduzir substancialmente a manutenção e a renovação das árvores e arbustos, diminuindo progressivamente sua densidade. Em conseqüência, cerradões acabam por abrir sua fisionomia, transformando-se em campos cerrados, campos sujos ou até campos limpos. Assim, como o fogo freqüentemente abre a vegetação lenhosa, a proteção contra ele permite o inverso, isto é, campos sujos, por exemplo, podem transformar-se em cerradões depois de algumas décadas. Se em um Parque Nacional, quizermos manter a maior biodiversidade, em termos de fisionomia e de riqueza em espécies, diferentes regimes de queimadas deveriam ser utilizados como forma de manejo, em distintas parcelas.
Característica sempre ressaltada para as árvores do Cerrado é a acentuada tortuosidade de seus troncos e ramos. Em muitos casos este fato pode ser considerado como um efeito do fogo no crescimento dos caules, impedindo-os de se tornarem retilíneos, monopodiais. Pelas mortes de sucessivas gemas terminais e brotamento de gemas laterais, o caule acaba tomando uma aparência tortuosa, simpodial. Quando as queimadas são muito freqüentes, a parte aérea da árvore pode não conseguir desenvolver-se normalmente e então o indivíduo torna-se anão.
A espêssa camada de súber que envolve troncos e galhos no Cerrado é outra característica do estrato arbóreo/arbustivo interpretada como uma adaptação ao fogo. Agindo como isolante térmico, o súber impediria que as altas temperaturas das labaredas atingissem os tecidos vivos mais internos dos caules. Esta proteção todavia, nem sempre deve ser muito eficaz, uma vez que este estrato da vegetação é mais suceptível à ação destruidora do fogo no Cerrado.
O Rebrotamento e a Floração
É impressionante a rapidez e o vigor com que as plantas do Cerrado emitem novos brotos logo após a queimada. Bastam poucas semanas para que o verde reapareça e substitua o tom cinza deixado pelo fogo. Entre as árvores, o barbatimão é um bom exemplo desta incrível capacidade regenerativa. No estrato herbáceo/subarbustivo, bastam alguns dias para que seus órgãos subterrâneos recomecem a brotar. Curiosamente, muitas de suas espécies iniciam o rebrotamento com a produção de flores. Pouco tempo após a passagem do fogo, o Cerrado transforma-se num verdadeiro jardim, onde as diferentes espécies vão florescendo em seqüência. Este estímulo ou indução floral não é necessariamente provocado pela elevação da temperatura, como se poderia esperar. Em muitos casos é a eliminação total das partes aéreas das plantas que as faz florescer. Além de estimular ou induzir a floração, o fogo sincroniza este processo em todos os indivíduos da população, facilitando assim, a polinização cruzada. Se não houver queima, ou as plantas não florescem ou o fazem com muito menor intensidade e de forma não sincronizada. Há espécies, todavia, que se comportam de maneira bastante diversa. É o caso do capim-flecha (Tristachya leiostachya), que domina de forma absoluta o estrato herbáceo/subarbustivo dos cerrados do Parque Nacional das Emas. Esta espécie floresce e frutifica durante o período primavera/verão. Entretanto, se o cerrado é queimado, ela quase não produz inflorescências na primavera/verão subseqüente. Somente no segundo período de floração, isto é, um ano depois, é que ela irá florescer de forma intensa. Este comportamento faz com que a fitomassa seca cresça enormemente 2-3 anos após a passagem do fogo, aumentando em muito o risco de um novo incêndio. Isto talvez explique a periodicidade com que se observam os grandes incêndios daquele Parque (1985, 1988, 1991, 1994).
A Dispersão de Sementes e a Germinação
A anemocoria é uma característica de grande parte das espécies do Cerrado. Ao eliminar a palha seca que se acumula sobre o solo, o fogo ajuda a propagação dessas espécies, pois, remove a macega que impede ou embaraça o deslocamento das sementes. Isto é particularmente evidente para aquelas espécies do estrato herbáceo/subarbustivo, cujos frutos desenvolvem-se bem próximo à superfície do solo.
A própria germinação das sementes pode ser facilitada pelo fogo. Há espécies em que a testa das sementes é impermeável à água. A brusca e rápida elevação da temperatura em uma queimada pode provocar o aparecimento de fissuras na casca da semente e assim torná-la permeável, favorecendo sua germinação.
A vegetação dos Cerrados é, pois, constituida por espécies pirofíticas, isto é, adaptadas a uma condição ambiental que inclui a presença do fogo. Elas conviveram com ele durante a sua evolução, sendo selecionadas por este fator. Muitas delas chegam a exigir a ocorrência de queimadas periódicas para a sua sobrevivência e reprodução. O fogo as revigora e aumenta seu poder competitivo. É claro que as várias formas de cerrado não têm as mesmas exigências. O cerradão, floresta de tipo tropical estacional, é menos tolerante às queimadas. Assim, se quizermos preservá-lo não devemos usar o fogo. Já um campo limpo ou um campo sujo podem necessitar das queimadas para sua estabilização e conservação.
Efeitos do Fogo Sobre a Fauna
São insuficientes as pesquisas do efeito do fogo sobre a fauna dos Cerrados. O número de vertebrados de maior porte encontrados mortos logo após as queimadas acidentais parece variar muito. Após o desastroso incêndio do Parque Nacional das Emas de 1988, noticiou-se apenas a morte de uma tamanduá-bandeira junto com seu filhote. Já em outros incêndios a que se submeteu aquele mesmo parque, o número de animais mortos pelo fogo parece ter sido bem maior. A fauna de vertebrados de pequeno e médio porte, muito mais numerosa, refugia-se em buracos existentes no solo, escapando assim ao fogo. O que nos parece certo é que os incêndios, onde o fogo avança fora de qualquer controle, são muito mais danosos para a fauna do que queimadas prescritas, feitas em pequenas áreas e sob um rigoroso controle.
Mas, o fogo não deve ser considerado sempre um desastre para a fauna. Ele também pode proporcionar-lhe certos benefícios. Após uma queimada, os insetos polinívoros e nectarívoros beneficiam-se da resposta floral das plantas, nas quais encontram grande disponibilidade de pólen e néctar. Algum tempo depois, essas flores produzirão frutos e sementes, que alimentarão outros animais. O próprio rebrotamento vegetativo é de grande importância para aqueles que se alimentam de folhas e brotos tenros, como o veado-campeiro, a ema, etc. Por isto, a densidade destes animais torna-se maior nas áreas queimadas, que funcionam para eles como um oásis em plena estação seca.












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